terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Discurso apresentado na reunião da Assembleia Municipal de Lisboa de 14-12-2010

Discurso acerca da Informação escrita do Presidente da Câmara Municipal de Lisboa de 01 de Setembro de 2010 a 15 de Novembro de 2010

(Reunião AML de 14 de Dezembro de 2010)


Exma. Sr.ª Presidente da Assembleia Municipal
Exmo. Sr. Presidente da Câmara Municipal
Exmos. Senhores Vereadores
Exmos. Senhores Deputados Municipais

O primeiro assunto abordado nesta informação escrita prende-se com a Reorganização Orgânica da Câmara Municipal de Lisboa. Se à primeira vista esta seria uma iniciativa a saudar, visto que de facto, é fundamental uma reorganização do modelo governativo da cidade, o caminho escolhido não deixa de nos levantar algumas dúvidas. Na base desta proposta está a necessidade de desconcentrar e descentralizar os serviços, tornando-os mais próximos da população. Estamos portanto, face a uma tentativa de desconcentração cultural e de inversão da excessiva verticalização dos serviços. Até aqui muito bem, o PPM sempre defendeu que o modelo de governação camarário deveria ser descentralizado, privilegiando o papel das juntas de freguesia, unidades de gestão mais próximas da população e que sabem melhor do que os serviços centrais as necessidades reais dos seus habitantes. De facto, o PPM já sugeriu diversas vezes nesta Assembleia que serviços como a gestão dos espaços verdes, do espaço público como as zonas pedonais e de estacionamento, a gestão de equipamentos locais deviam ser descentralizados do poder central dos serviços camarários ou de certas empresas municipais e passar a ser da competência directa das freguesias. Portanto, perante a vontade de desconcentrar as estruturas não percebemos a criação de um organismo como a Direcção Municipal de Planeamento, Reabilitação e Gestão Urbanística, uma super-estrutura que integrará as 3 actuais direcções municipais da área do urbanismo. Isto não significará mais burocracia, mais tempo perdido uma vez que se juntarão todos os processos num só departamento? Não significará um maior afastamento face à realidade dos processos em análise?
Outra questão que nos preocupa nesta reorganização orgânica tem a ver com a atribuição da gestão de museus e galerias municipais à EGEAC. No presente a EGEAC gere os seguintes museus e monumentos municipais: Castelo de S. Jorge, Museu da Marioneta, Museu do Fado, Palácio Marquês de Pombal, Palácio Marquês de Tancos e Padrão dos Descobrimentos. O objectivo será passar os restantes museus municipais para a gestão da EGEAC? É isso que irá acontecer com o Museu Rafael Bordalo Pinheiro, o Museu do Teatro Romano, o Museu da Cidade, o Museu Antoniano? E a Casa Fernando Pessoa também será gerida pela EGEAC? E em relação às galerias municipais, a Galeria do Palácio Galveias e o Torreão Nascente da Cordoaria Nacional? É com alguma preocupação que vemos esta transferência de gestão destes equipamentos municipais para a EGEAC que nos apresenta alguns exemplos de péssima gestão cultural como é o caso do Castelo de S. Jorge em que os aumentos do valor dos ingressos de entrada são constantes transformando aquele espaço que mais do que um símbolo municipal é um símbolo nacional, num local privado não ao serviço dos lisboetas e portugueses mas sim servindo quase exclusivamente interesses turísticos e a julgar pela quebra de receitas no ano de 2009 e pelo decréscimo do número de visitantes nem isso…! O Castelo de S. Jorge é um símbolo do municipalismo e deveria, por isso, ser a residência oficial do Presidente da Câmara de Lisboa. Portanto, em que moldes será feita esta gestão, a acontecer? Estamos a falar de uma empresa municipal cujo objectivo primordial era “desenvolver a cultura e os equipamentos culturais do município que nos seus estatutos deve assegurar a conservação, manutenção e desenvolvimento dos equipamentos ao seu encargo” e ainda “proceder à execução de obras de conservação e beneficiação em edifícios e espaços exteriores, no âmbito do seu objecto”. Será esta a mesma empresa que tinha sob sua alçada o Palácio Pancas Palha? O mesmo palácio cuja proposta de alienação veio este ano a esta assembleia para a realização de um Hotel de Charme? É assim que a EGEAC gere os seus equipamentos culturais? E tudo isto não será para criar mais clientela política fora da vigilância dos munícipes representados nesta Assembleia Municipal?
Relativamente ao Protocolo da Ribeira das Naus que estabelece a transferência para o domínio público do município de áreas sem utilização portuária, até agora sob a jurisdição da Administração do Porto de Lisboa, só podemos congratular semelhante iniciativa. Uma das áreas a intervir será a área de Belém através da manutenção do espaço verde envolvente à Torre de Belém. Apelamos, novamente perante esta Assembleia, para a situação envolvente deste monumento Património da Humanidade. Escondida atrás de árvores mal planeadas que lhe tiram toda a visibilidade, ainda por cima de espécies arborícolas que nem sequer são autóctones, com relvados mal cuidados, e construções que a escondem do olhar dos transeuntes. Será quase caso para perguntar em jeito de uma qualquer adivinha “Onde está a Torre de Belém?” Apelamos por isso que seja tido em conta um plano de enquadramento paisagístico do monumento. É que um monumento, ainda mais este que é mundial, não se limita ao seu edificado, é sim todo o seu contexto cultural e ambiental envolvente.
É também com alguma apreensão que abordamos a questão da Revitalização do Mercado da Ribeira. Mais do que um espaço comercial, o Mercado da Ribeira é um espaço cultural e um importante valor arquitectónico da cidade. Nos últimos anos, perdeu a sua função primordial que era a de ser um dos mercados abastecedores de Lisboa e por isso ficou despido de vida. Esporadicamente ainda era utilizado para a realização de algumas feiras de livros, mas sem grande sucesso. Tinha também alguns pequenos espaços de restauração e produtos regionais e em termos de animação, recebia periodicamente bailes e aulas de dança recreativa. De facto, é fundamental reabilitar este edifício e devolvê-lo à cidade, aos lisboetas e turistas que procuram um símbolo da Lisboa das últimas eras. Se bem que alvo de modificações ao longo dos anos, não podemos esquecer que se trata de um edifício do séc. XIX e por isso certos cuidados devem ser tidos em conta nas obras de melhoramento que estão programadas. A Time Out venceu o concurso público internacional para a exploração do Mercado da Ribeira e promete atrair novos públicos e devolver a vida àquele local através da instalação de bares, restaurantes, galerias e lojas. Resta perguntar o que ficará do tradicional Mercado da Ribeira, de um espaço que era típico e popular por excelência? Será este mais um local que irá servir uma elite cultural, mais um daqueles sítios tão em voga ultimamente com instalações experimentais, múltiplas conferências adaptadas a público que nada tem a ver com a raiz cultural daquele espaço? Sítios de cultura, sim, mas que perdem a sua identidade porque se tornam iguais aqui e na China! Vão a Barcelona e vejam a restauração de todos estes mercados entregues outra vez ao abastecimento de víveres aos habitantes e ao local de encontro de fregueses, numa opção alternativa às frígidas grandes superfícies comerciais.
No ponto 17 desta Informação Escrita surge-nos um pequeno parágrafo acerca do Estudo de Competitividade Fiscal do Município de Lisboa. Apenas meia dúzia de linhas para falar supostamente de um estudo sábio que iria iluminar-nos sobre a competitividade deste município. Este estudo encomendado a um grupo de génios universitários, claro está muito bem pago, deveria trazer dados novos, factores concretos, deveria apresentar sugestões, dizer quais seriam os factores de atractividade, mostrar o porquê de Lisboa ser cada vez mais uma cidade dormitório. Conclusão brilhante deste estudo: o aumento das taxas municipais em nada influencia a fixação da população… Precisamente…Será que queremos colocar em prática esta teoria? Será que alguém aqui acredita que o aumento de taxas como o IMI, o IMT ou a Derrama não são um factor de peso a ter em conta na decisão da fixação de pessoas e empresas em Lisboa? Decerto que este estudo muito bem encomendado terá servido o seu propósito, fundamenta claro está, o aumento das taxas por parte do executivo camarário. De facto, o dinheiro investido serviu o seu propósito!
Para finalizar a análise desta Informação não podíamos, como é óbvio, deixar de falar nas Comemorações do Centenário do 5 de Outubro de 1910. Pobre da cidade que se congratula por ter sido o palco da instauração da Primeira República no país! A Câmara Municipal de Lisboa celebrou com grande entusiasmo e claro está com um orçamento entusiasticamente equivalente o centenário da implantação da República. Verbas que podendo e devendo ser aplicadas ao serviço da população, ainda mais tendo em conta o difícil quadro económico que atravessamos, foram gastas numas comemorações que pelas imagens televisivas amplamente difundidas, serviram a meia centena de entusiastas, já contando com a presença do executivo camarário! E o que foi celebrado no passado 5 de Outubro? O derrube de um regime considerado na época como um dos mais democráticos na Europa? O sistema monárquico anterior ao 5 de Outubro de 1910 era liberal, tinha uma constituição e um chefe de estado. Era um estado de Direito, representativo e democrático, onde existia oposição. Portanto o que foi comemorado? O acontecimento que envolveu uma minoria e que foi imposto através de um golpe terrorista? E o que dizer dessa Primeira República? Quando a maioria dos regimes ocidentais caminhava para o alargamento do sufrágio a 1ª República, conseguiu a ilustre proeza de ter menos eleitores que os recenseados nas eleições monárquicas anteriores. Em 1878, 72% dos homens adultos tinham direito a voto, em 1913 este número baixou para 30%. E o que dizer da suposta Liberdade? A 1ª República foi uma época de negação do municipalismo, foi isto que este executivo municipal quis celebrar? Uma época de perseguição da liberdade religiosa, de perseguição a minorias, de destruição de jornais e das vozes da oposição, muitas vezes literalmente como aconteceu na noite das facas longas. Dizem que é a celebração dos valores republicanos como a Igualdade e a Fraternidade, como? Quando Afonso Costa chegou a defender em plena Assembleia da República o genocídio no Sul de Angola em 1917? Será este o motivo de orgulho de Lisboa? O Dr. António Costa diz na sua informação escrita que comemorar o centenário da República é antes de mais aproximar os cidadãos de um período marcante da nossa História e manter vivos os valores republicanos. Será que queremos mesmo manter vivos estes valores? A crer pelas palavras do Sr. Presidente esta foi uma comemoração dos lisboetas republicanos, um exemplo a seguir, ora é caso para dizer ainda bem que existem muitos lisboetas que não se revêem nesta forma republicana de desgoverno!

Sem comentários:

Enviar um comentário